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Generosidade: o quarto elemento do triple bottom line14/05/2014Artigo de Rogério Ruschel (*)
 
Já não restam dúvidas científicas de que o desenvolvimento sustentável é o único modelo capaz de evitar a degradação em velocidade geométrica das condições de vida e finalmente a inevitável extinção de várias espécies de flora e fauna do planeta, entre as quais provavelmente a do Homo Sapiens - isto é, eu, você e nossos descendentes.

Sabemos que para buscar a sustentabilidade uma pessoa ou organização deve adotar como padrão de comportamento ou gestão ser ambientalmente correta, socialmente justa e econômicamente viável – o chamado triple bottom line, conceito formulado pelo britânico John Elkington há cerca de 15 anos. Sabemos também que a busca pela sustentabilidade é uma caminhada que deve ser trilhada com início urgente e imediato, mas cujo final é inexistente.

Então o que faz uma pessoa, um cidadão, mobilizar-se pelo assunto ou uma empresa adotar a sustentabilidade no universo corporativo? Não sou um pensador estrangeiro, destes que todos ficam achando mais inteligentes do que os brasileiros, mas entendo que fundamentalmente a diferença está numa qualidade humana chamada Generosidade – e que a Generosidade é o quarto elemento do triple bottom line.

Generosidade é a qualidade do que é generoso, pródigo, do que perdoa fácilmente, nobre, leal; a virtude de quem acrescenta algo ao próximo. Generosos são tanto as pessoas que se sentem bem em dividir algo com mais pessoas porque isso as fará bem (em um contexto egocêntrico), tanto quanto aquelas pessoas que dividirão bens tangíveis ou intangíveis com outros, sem a necessidade de receber algo em troca. É o contrário da Ganância. E isto se aplica quase que literalmente para organizações, porque empresas não pensam: por trás delas sempre estão gestores humanos.

No livro “Princípios de Filosofia” René Descartes apresenta a generosidade como “uma despertadora do real valor do Eu” e ao mesmo tempo uma mediadora para que “a vontade se disponha a aceitar o concurso do entendimento”. É filosófico, sim, mas é simples: a generosidade é uma qualidade de quem coloca os interesses de terceiros no mesmo plano dos seus interesses pessoais, para resolver um problema ou dilema que atinge a todos, que busca o entendimento. Não é exatamente disto que uma sociedade sustentável necessita?

No campo do Direito isto se chama “interesses difusos”, e como sabemos, os interesses difusos - aqueles de interesse do conjunto da sociedade - são constitucionalmente inalienáveis. Resumindo, a Generosidade deveria ser um dos fundamentos da sociedade brasileira, até mesmo pelo que está escrito em nossa Constituição: é um bem inalienável. E a Ganância, o oposto da Generosidade, deveria ser execrada porque ofende direitos constitucionais coletivos.

No mundo corporativo Generosidade pode ser traduzida como uma forma de altruísmo – e aqui está a razão do porque muitas falam mas poucas empresas realmente adotam a sustentabilidade no processo de gestão: altruísmo não combina com capitalismo selvagem, com a famosa “lei de Gerson”, aquela de que se deve levar vantagem em tudo.
 
No mundo corporativo Generosidade significa uma empresa ser menos gananciosa, tomar a decisão de reduzir um pouquinho a margem de lucro ou aumentar em alguns meses o prazo de retorno de um investimento para ser ambientalmente correta e socialmente justa – sem deixar de ser econômicamente viável. Significa ter a coragem para contrariar práticas de gestão, regras de mercado, de design de produtos e de formas de concorrência estabelecidas por força de um modelo de crescimento a qualquer custo que já se demonstrou completamente inviável do ponto de vista de recursos naturais e de felicidade humana.

A Generosidade é o que diferencia uma empresa que adota critérios de sustentabilidade no modelo de gestão daquelas que dizem que o fazem, mas deslizam na superficilidade ou praticam o greenwashing.

Generosidade corporativa significa também compartilhar gratuitamente seu aprendizado, seu conhecimento, suas patentes, sua força e seus recursos em nome de interesses que ultrapassam os limites da empresa. O jornalista Dal Marcondes, da Envolverde, costuma dizer que filantropia é dar um peixe a quem tem fome, responsabilidade social é ensinar a pescar e sustentabilidade é preservar o rio. Pois no contexto da Generosidade corporativa este compartilhamento é liberar a nascente do rio caso ela esteja no seu terreno e compreender a importância do fluxo e entorno até a foz e além dela: é perceber o que de fato importa, em termos coletivos, para possam continuar existindo peixes.

Generosidade corporativa é perceber o problema de emissões de gases do efeito estufa não apenas como um volume de particulados em suas chaminés, mas como um assunto de interesse coletivo – e ir além de metas de redução. Generosidade corporativa é compreender que não basta fazer o seu papel, é preciso mobilizar seus parceiros de negócios e forneceodres, e para isso poderá ser necessário ceder em aspectos antes inegociáveis.

Mas a Generosidade corporativa também oferece vantagens e oportunidades de negócios. Alguns exemplos, já clássicos:
 
  • A Danone francesa se associou a cooperativas de trabalhadores e ao Grameen Bank para implantar em Bangladesh fábricas de iogurte de baixo custo. Com isso os funcionários são sócios, fornecedores e consumidores da fábrica ao mesmo tempo e se consegue atender crianças subnutridas com redução de custos fixos de produção. Marketing? Sim, e inteligente, porque o modelo só funciona se houver redução da margem de lucro – uma opção generosa para conquistar Mercado
 
  • Evoluindo aos poucos durante os anos 90, a Interfaceflor, empresa norte-americana fabricante de tapetes, já está fabricando produtos com 100% de fibras recicladas a partir dos tapetes velhos de seus clientes. Ao fazer isto percebeu uma ótima oportunidade. Como tapete é artigo de decoração e sai de moda, a empresa mudou o modelo de negócio: está propondo que seus clientes não comprem seus tapetes – e como num processo de “leasing” de automóveis, as familias podem ficar com o produto ou trocar por outro, ao fim do pagamento. Em 12 anos o lucro cresceu 82% em um Mercado que diminuiu 30% no mesmo período. Coragem para mudar exige generosidade

Na linha do tempo da história a Generosidade é um dos traços da personalidade de pessoas que trouxeram benefícios universais para a Humanidade como Mahatma Ghandi, Buda, Jesus Cristo, Nelson Mandella, Martin Luther King, Wangari Maathai, Muhammad Yunus, Madre Teresa de Calcutá e outros, mas também aparece em pequenos gestos de pessoas comuns em nosso dia-a-dia e que merecem ser elogiados e replicados.

Se lhe parece complicado entender a importância da Generosidade como parte da essência da sustentabilidade, basta pensar no seu oposto, a Ganância – que é a base de quase tudo de errado em nossa sociedade. Aí com certeza você vai concordar comigo que a Generosidade realmente um dia vai ser reconhecida como o necessário o quarto elemento do triple (quadruple) bottom line.

 (*) Rogerio Ruschel foi professor da PUC-RS e da ESPM-SP por 22 anos e é Presidente da Ruschel & Associados Negócios e Sustentabilidade, e autor ou editor de 5 livros e 22 publicações sobre o tema. Site: https://www.ruscheleassociados.com.br
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