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O Novo Código de Processo Civil e seus impactos na vida da empresa e do empresário02/07/2015

Por: Adelmo Emerenciano

 

Advogado, professor universitário, mestre e doutor em Direito.

Sócio do escritório especializado em relevantes assuntos empresariais Emerenciano, Baggio & Associados – Advogados.

 

A legislação atual que estrutura o curso dos processos judiciais no Brasil remonta ao ano de 1973, quando a população era estimada em 105 milhões de pessoas, o Brasil vivia seus anos de chumbo ainda sob a Presidência de Garrastazu Medici e a transmissão da TV em cores não tinha ainda completado um ano. Era um o país muito diferente dos tempos atuais. A preocupação com o tempo e a velocidade das decisões não eram presentes. Solenidades, taxatividades e burocracia sobreviveram mesmo diante de inúmeras modificações e reformas implementadas, mas insuficientes para um país com o dobro da população, concentrada em grandes centros, em uma sociedade de consumo em massa e obrigada a litigar o tempo todo por conta da cultura do descumprimento das obrigações e da conduta oportunista e de irresponsabilidade dos governos e governantes. Isso resultou em um estoque para julgamento de quase 100 milhões de processos aos quais nem mesmo a informatização por si só é capaz de propiciar as respostas que a sociedade carente de justiça clama.

 

Depois de longa tramitação, mas de discussões de boa qualidade, e que o avanço da tecnologia forçou a modernização dos conceitos, um novo Código de Processo Civil veio à lume por conta da edição da Lei 13105 de 16/03/2015. Uma evolução elogiável, mas não uma revolução. Contemporâneo e atento à efetividade das garantias constitucionais e com mecanismos de respostas para dizer o direito sobre as questões colocadas sob julgamento, a nova legislação chega com o propósito de enfrentar o volume crescente de casos e de realmente procurar julgar o mérito das questões e afastar-se das querelas doutrinárias, das liturgias e do voluntarismo judicial. Fruto do esforço de brilhantes juristas, magistrados experientes e da forte influência da advocacia militante, a nova lei traz a esperança de obtermos o funcionamento da Justiça em bases razoáveis de tempo e de eficácia de suas decisões.

 

É possível identificar três pilares estruturantes na nova concepção legislativa: (i) o processo deve levar a uma decisão do mérito da causa, deve resolver o problema das partes; (ii)  o processo deve ser ágil, não ter idas e vindas e nem se paralisar; (iii) o processo deve propiciar segurança jurídica não só às partes litigantes, mas para toda a sociedade, permitindo que se identifique com clareza qual o direito vigente e aplicável.

 

Os mecanismos para isso permeiam o novo texto, sendo possível vislumbrar a tradução dessas preocupações em pontos com maior tolerância sobre as nulidades, aumentando a sanabilidade dos vícios e tentando preservar o processo e os atos já praticados, ampliando as oportunidades de retratação de decisões incorretas e os julgamentos monocráticos e compromissos com prazos para decisão e exigindo respeito aos precedentes judiciais das Cortes Superiores, por sua vez obrigando que o direito tenha interpretação uniforme e estabilidade e impedindo que cada juiz seja uma ilha indiferente às consequências sociais do decidir isolado.

 

Esse novo cenário exige do empresário a compreensão dos impactos dessas mudanças que afetam o cotidiano dos seus negócios e a maneira como seus departamentos jurídicos respondem aos desafios que surgem. Sem entrar em detalhes técnicos, destaco a seguir alguns pontos que ajudam a compreender o novo ambiente das disputas judiciais:

 

. Solução extrajudicial dos conflitos — é compulsória, sob pena de multa de até 2% do valor da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa.

 

. Não surpresa — nenhuma decisão pode ser dada sem que antes a outra parte seja previamente ouvida. Há exceções, principalmente para concessão de liminares (tutelas), mas são limitadas.

 

. Documentos novos — podem ser juntados aos processos mesmo após a contestação, dando-se oportunidade da outra parte manifestar-se.

 

. Erros, mesmo de indicação da parte passiva, poderão ser corrigidos. A ideia sempre presente é de preservar o processo, evitando nova propositura da mesma ação.

 

. As procurações poderão ser outorgadas para Sociedades de Advogados diretamente, acabando com os problemas de morte dos processos por problemas formais.

 

. Valor da causa — Os pedidos de dano moral também deverão ser quantificados. Ou seja, havendo insucesso, recairão honorários advocatícios, medida que reduz as aventuras jurídicas.

 

. Honorários advocatícios — Passam a incidir honorários cumulativos a cada fase do processo, sendo acrescidos a cada novo recurso e existirão mesmo nas reconvenções. Ou seja, é necessário avaliar as reais chances de modificação das decisões, pois, a cada nova etapa, novos custos serão agregados.

 

. Agora, existirá a concentração da defesa. Tudo deverá ser alegado em uma única peça processual, reduzindo o número de processos suplementares.

 

. A contagem dos prazos para todos os recursos foi unificada em 15 dias e os prazos judiciais passam a ser contados somente em dias úteis.

 

. Os juízes estão impedidos de julgar casos de escritórios de advocacia onde trabalhem cônjuge ou parente, mesmo que não intervenha no processo.

 

. Diante de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, poderá ser concedida Tutela Cautelar em caráter antecedente que depois será aditada para se transformar em um processo ordinário. Se houver abuso do direito de defesa ou propósito protelatório ou provas fracas para negar o alegado pelo autor ou se o caso envolver tese firmada em recurso repetitivo ou sumula vinculante, o juiz poderá conceder uma Tutela da Evidência, mesmo não tendo risco de dano pela demora da decisão.

 

. As provas seguirão a teoria da distribuição dinâmica das provas.

 

. É possível produzir prova antecipadamente para se tentar obter um acordo ou saber se vale a pena mover uma ação judicial ou não. Permite ser usada para certificar a existência de algum fato ou relação jurídica.

 

. Existirão julgamentos parciais de mérito quando o pedido se mostrar incontroverso. Eles poderão ser executados sem caução e mesmo com recurso interposto. Há diferença entre julgar mérito e ter sentenças (denominação exclusiva para as decisões terminativas do processo).

 

. Estabeleceu-se a possibilidade de cooperação nacional entre os juízes. Isso trará grande impacto, principalmente nos casos trabalhistas, pois há possibilidade de troca de informações entre os juízes, aproveitamento de provas, inclusive de depoimentos, reunião de processos e tudo que possa tornar a prestação jurisdicional mais rápida e efetiva. Também será possível a cooperação internacional até mesmo no campo de aproveitamento de provas.

 

. Um grande avanço — As sentenças deverão apontar não só as razões do convencimento do juiz, mas trazer minudente refutação do que foi alegado e inadmitido na formação da decisão. Estão afastadas as decisões fundadas em textos “clichês”, lugares-comuns ou com conteúdo que sirvam como fundamento para qualquer decisão. Vale comemorar esse avanço obtido pela Advocacia, obrigando os juízes até mesmo a obedecer aos precedentes e jurisprudência dominante e tendo que explicitar as razões por que no caso específico está se afastando da sua observância. Também são nulas as decisões que são paráfrases de textos legais ou que se baseiam em princípios nos quais não se estabelece o nexo com os fatos do processo e a razão da sua aplicação ao caso concreto. Talvez seja uma inflexão nas decisões de cunho abstrato, nas quais a parte sequer consegue saber o que uma coisa tem a ver com a outra ou onde a generalidade e abstração suplantam o material probatório contido nos autos.

 

. As questões apreciadas para formação da sentença também farão coisa julgada. Isso modifica sobremaneira a conduta da empresa, que terá que verificar em todos os seus casos, mesmo os de massa ou trabalhistas de igual natureza, sobre quais temas a decisão de um caso já será coisa julgada em caso diverso.

 

. Toda sentença poderá ser convertida em hipoteca judiciária sobre imóveis da empresa ou de outro executado.

 

. As penhoras nas execuções deverão recair primeiro sobre dinheiro. As penhoras eletrônicas estão limitadas ao valor indicado na execução e os excedentes deverão ser liberados em 24 horas, podendo as intimações serem feitas na pessoa do advogado. A penhora sobre o faturamento é a décima na ordem de prioridade de penhoras.

 

. É mais simplificada a penhora em direito de ação do executado, admitida sua alienação judicial.

 

. Ficou melhor regrada a penhora da empresa e seus estabelecimentos, com indicação de administrador depositário para recolher os frutos, rendas e rendimentos para pagamento da dívida.

 

. A penhora sobre faturamento da empresa deverá ocorrer somente na ausência de outros bens e o recebimento do crédito deve se dar em tempo razoável e que não torne inviável o exercício da atividade empresarial.

 

. A penhora de quotas da empresa deverá respeitar o direito  de preferência, podendo ocorrer o leilão judicial das cotas, sendo três meses o prazo alvo de realização.

 

. Cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento ou união estável terminou poderá requerer a apuração de haveres, que serão pagos conforme o contrato social, sendo a avaliação feita a preço de saída da sociedade.

 

. Finalmente, a desconsideração da pessoa jurídica, que tanto atinge os grupos econômicos sem qualquer oportunidade prévia de defesa, ficou submetida ao Incidente de Desconsideração da Pessoa Jurídica, com isso permitindo que as garantias constitucionais do processo tenham que ser efetivamente observadas pelos juízes antes de suas inopinadas e precipitadas decisões.

 

. Outra importante modificação, principalmente para empresas com processos de teses repetidas que envolvem sempre a mesma questão de direito é o novo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Por meio dele, a pedido também das partes, a tese será registrada no CNJ — Conselho Nacional de Justiça e serão suspensos os processos individuais e coletivos no Estado, na região ou mesmo nacionalmente, sendo que, quando julgados, a tese firmada bem como todos os seus fundamentos serão aplicados a todos os casos que tramitem na jurisdição e aos casos futuros que versem idêntica questão de direito. Isso modifica a lógica de condução de processos, bem como exige separar da multiplicidade de casos o joio do trigo. Igualmente, a empresa terá que acompanhar não somente os seus casos, mas também de outras empresas e mesmo de concorrentes  nas quais a tese afirmada irá impactar nos seus próprios casos e no seu negócio.

 

Muitas são as mudanças para além das que foram apontadas, afetando temas como a força da jurisprudência dominante e a completa modificação na forma de se advogar, mas as explicações acima são apenas uma limitada ilustração da importância de aprofundamento do tema.

 

Vale lembrar que a lei processual será aplicada a todos os casos em curso, tendo aplicação imediata, motivo que torna ainda mais importante a preparação da empresa e do empresário para os impactos e consequências imediatas sobre o acervo de casos em andamento e para atualização da sua estratégia de atuação corporativa em disputas judiciais. 

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